
Chegou muito lentamente como quem caminha sobre um manto de espuma e sussurrou qualquer coisa ao ouvido.
Ele agitou-se e abanou dizendo que não. Ela insistiu.
Que sim, que tinha de o conhecer bem interiormente, dado que ele afirmara, que nunca ninguém o conheceria inteiramente.
Ela abeirou-se mais e mais e tentou forçar entrada pelo ouvido.
O tímpano estava a vibrar, sinais da musica clássica que tinha acabado de ouvir.
Ela deixou-se escorregar, agarrou-se às paredes e deslizou pela garganta aterrando juntinho ao coração.
Aí, espreitou por uma janela aberta e viu vasos com flores plantadas. Um cheirinho a primavera, e o sol a espreitar radioso.
Um pouco mais ao lado, noutra janela, uns móveis velhos e quadros que o tempo apagou.
Logo a seguir, uma enorme porta, frondosa. Entrando, pé ante pé, descobriu um salão enorme e grandes janelas viradas para o mar. Nesse espaço, vislumbrou caixas de amor aos pedaços que ele tinha para distribuir. Encaixotados, mas fechados apenas com um lindo laçarote azul, que se desfazia ao mais pequeno toque.
Aqui e ali, alguns tropeções num bater mais acelerado e um bombear nas aurículas e ventrículos. A veia cava resmungona, debitava frases incertas e a aorta, sabidona, despachava carinho e ternura pelos restantes espaços por preencher.
De um salto, com um sopro vindo do pulmão foi atirada para a cabeça.
Ali, no meio de sinapses e alguns contornos eléctricos, deparou com memórias, pensamentos oblíquos, curvos e rectos, e algumas razões.
Num instante sentiu, que aquela tela, pelo qual via passar o filme da vida era familiar.
Tal como a sua, aquela, era imensamente igual a tantas outras, como num romance de cordel.
Foi mexendo e sentindo, espalhando pedaços de tempo, de espaço, de sons, de cheiros, de alegria, tristeza, cantos e choros, lagrimas e raiva, ternura e afecto, paixão e amor.
Deu umas sacudidelas nalguns espaços mal arrumados e ouviu baixinho...
- “ ... Deixa tudo como encontraste...”
Varreu algum pó acumulado, endireitou espaço e pedaço, acendeu de novo a luz e saiu de lá muito mais preenchida.
Encostou-se a ele de novo e segredou-lhe num sussurro, junto ao ouvido bem juntinho ao coração...
– “Gosto de ti...”
Comentários
Mas, Dra Teresa, nós temos de saber viver, flexibilizando óbviamente e fazendo a(s) nossa(s) adaptações, com os "espaços mal arrumados" e os tais "pensamentos", porque só assim seremos nós (humanos).E quantas vezes é nessas "limitações" que encontramos outras coisas bem melhores. E não somos todos nós HUMANAMENTE limitados ?
Um Beijinho e Obg.
Aos anónimos,
essa é uma grande responsabilidade...
Cada um de nós terá decerto o seu próprio final. Torna mais interessante este "suspense".
Mas não é de todo as "Mil e uma Noites".
Mas talvez ele possa responder algo como............ ok, vou tentar arranjar um texto...mas isto é muita responsabilidade :)
maravilhoso foi um prazer ler
bjinhos da tua sobrinha pati